quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A farsa dos cases e das premiações

Wilson da Costa Bueno*

Uma cultura egocêntrica como a brasileira costuma cultivar alguns hábitos (ou vícios) que incomodam. Um deles é a multiplicação de cases "vencedores" e de premiações na área de comunicação ou propaganda/ marketing, legitimados por um mercado que insiste em fechar os olhos para a realidade e bate palmas para qualquer coisa. No fundo, falta mesmo uma perspectiva crítica por parte daqueles que patrocinam determinadas hipocrisias ou então (não há como negar) esses processos não passam de estratégias para ganhar dinheiro e prestígio fácil.

Publicações promovem prêmios para arrebanhar anúncios das empresas premiadas, explorando o ego avantajado de executivos que adoram troféus e certificados, muitos deles sem valor algum (todo mundo tem). Provavelmente estas empresas e chefias já se deram conta de que os empresários e clientes (e mesmo a sociedade) podem ser iludidos facilmente e "quadrinhos coloridos" na parede de agências e empresas têm garantido contas e empregos por esse Brasil afora. Entidades distribuem prêmios sobretudo entre os seus diretores e a caravana continua passando sem que os cachorros ladrem.

Sem ser leviano com as generalizações (sempre há exceções, felizmente), é possível admitir que, na maioria dos casos, os vencedores não deveriam merecer mais do que batatas podres porque os processos de que resultam as premiações e os convites para apresentação de cases em publicações ou eventos da área são, muitas vezes, absolutamente viciados.

Os exemplos podem ser contados às dezenas, mas podemos citar apenas alguns deles como ilustração. A Escola de Comunicações e Artes da USP (que coisa feia, minha querida ECA!) chegou a premiar a Ambev, no ano do episódio lamentável do vira-casaca do Zeca Pagodinha (aquele entra e sai de cervejaria), com o prêmio de empresa do ano em Comunicação Corporativa, o que convenhamos se constituiu numa autêntica afronta à ética e à inteligência.

A Merck continua sendo convidada para falar do case "fantástico" da retirada do Vioxx do mercado, ao mesmo tempo em que fecha acordo de bilhões de dólares nos EUA com os consumidores vitimados pelo medicamento. Uma farsa fantástica de Relações Públicas porque nunca se falou tão mal de uma indústria farmacêutica (quem tiver interesse pode consultar o artigo já publicado sobre o caso Vioxx em http://www.jornalismocientifico.com.br/rev3artigoWilsonBuenoVioxx.htm), um triste episódio que chegou a respingar no setor como um todo e inclusive na poderosa e quase intocável FDA, organismo responsável pelo controle de medicamentos nos Estados Unidos.

Algumas agências/assessorias de empresas áreas, ao longo do tempo, têm proclamado o seu notável trabalho de gerenciamento de imagem durante as crises e os jurados que as contemplam (e as universidades que as convidam para relatar estes cases de sucesso para os futuros profissionais) não se dão sequer ao trabalho de contatar as famílias das vítimas. A verdade nem sempre está no relatório dos cases.

Empresas que degradam o meio ambiente buscam, agressivamente, conquistar prêmios de responsabilidade ambiental, criam a figura de embaixadores ambientais, fazem qualquer negócio para "tapar o sol com a peneira". A indústria farmacêutica insiste que investe pesado em pesquisa e desenvolvimento mas consome a maioria dos recursos em propaganda e marketing. Como diz o ditado: por fora; bela viola; por dentro pão bolorento.

Muitos colegas que se apressam em garantir os seus lugares em congressos ou seminários - certos de que tomarão contato com o "creme de la creme" da área - não se dão ao cuidado de observar, nos folders de divulgação, as empresas que patrocinam tais eventos. Se fossem mais críticos e vigilantes, iriam descobrir que, em muitas situações, os cases incluídos no programa têm menos a ver com o seu mérito do que com a relação comercial com os organizadores das reuniões. Agências e assessorias se empenham em garantir esse espaço (em muitos eventos quem não paga não fala mesmo!) porque, desta forma, aparecem para o mercado (e sobretudo para seus clientes) como vencedores, referências ou coisa equivalente. Santa hipocrisia do tipo "me engana que eu gosto".

Algumas medidas poderiam sanear essa área e aumentar a sua legitimidade. A primeira delas seria impedir de vez que, nas premiações concedidas por entidades, os seus diretores e suas empresas concorressem. Não é por mera coincidência que, em muitas oportunidades, são eles que conquistam os prêmios maiores. A segunda medida seria criar condições para que os jurados (alguns convidados para esta tarefa têm estreita relação com os concorrentes) não ficassem reféns dos relatórios perfumados, refinados, luxuosos (e mentirosos) e que pudessem investigar se o relato é realmente fiel ou apenas uma peça de propaganda (má propaganda, é lógico, porque manipula os dados). Muitos relatórios de cases se respaldam em dados falsos e obedecem à lógica de adaptar o alvo ao tiro.

A terceira delas seria desmascarar as "picaretagens explícitas" relevando os vínculos entre as premiações e as apresentações/publicações de cases e interesses pessoais, políticos, comerciais etc. As premiações e os cases não deveriam ser comprados, mas conquistados de verdade pelos méritos dos vencedores, o que, infelizmente, não é o que acontece na maioria dos casos.

Este é um assunto delicado para se comentar porque, ao que parece, muita gente está envolvida nesse processo que movimenta grana, "tráfico" de influência e cinismo empresarial, mas é preciso imediatamente um banho ético no mercado que adere acriticamente a estas hipocrisias empresariais.

Do jeito que a coisa vai, algumas premiações e cases ainda irão nos surpreender em breve. Talvez o McDonald´s e o Burger Kins ganhem o título de "empresa que estimula o consumo consciente", a Souza Cruz e a Philip Morris (a cruz e o morris nos nomes destas empresas serão mera coincidência?) de "companheiras da saúde", a indústria de agrotóxicos de "sustentabilidade ambiental" , a Philips de "a empresa mais admirada no Piauí" e a Cataguazes de "excelência na construção de barragens". Sem falar nos prêmios de pontualidade e de respeito ao consumidor das empresas aéreas, dos cases de excelência em qualidade das montadoras (um recall por semana) , de governança corporativa da Siemens, HP, Volkswagen, Parmalat etc, de relações governamentais da Mendes Júnior e de "amigos dos indígenas" relatados pela Vale e pela Aracruz . Algumas cooperativas e empresas do setor leiteiro podem também reivindicar o prêmio de "amigas das crianças".

Aprendemos há muito tempo que "elogio em boca própria é vitupério", mas algumas estratégias corporativas e inúmeros discursos grandiloquentes são calibrados para mentir. Pouco valem os "quadrinhos nas paredes" quando há muitos esqueletos escondidos nos armários e muita sujeira debaixo do tapete. É mais fácil maquiar o rosto do que limpar a alma. Há certos tipos de trabalho que nem as melhores agências e assessorias conseguirão fazer.

A gente viu , no último Campeonato Brasileiro, que não adianta apenas um ótimo goleiro para salvar uma nação inteira da tragédia. Como o Timão (que desceu sobretudo pela incompetência de sua gestão), algumas empresas bem que mereciam ser rebaixadas. Eticamente, deveriam freqüentar a segunda divisão. Na prática, sua imagem e reputação estão há muito tempo na série B.

* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

Janaina Cortez
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Um comentário:

Faby disse...

Fico triste em saber que as empresas que só tem nome consigam superar e ganhar premiações dessa forma. :P

bjs linda...parabens pelo blog, saudades